A FOLHINHA
DE STOCKWELL 49
LITTLE PORTUGAL - LONDON
UK
A Inglaterra pragmática
1 A
Inglaterra é de facto um país único e é necessário compreender o funcionamento do
país a fim de saber como abordar e resolver os mais variados assuntos.
2 Poderíamos dizer, exagerando, que a regra neste
país é a ausência de regra. Isto torna o sistema mais flexível e adaptável às
circunstâncias dos tempos e dos assuntos. Neste tipo de filosofia reside a incompreensão,
desentendimentos e atritos entre a
Inglaterra e o Continente Europeu. Se entrarmos em mais profundidade nesta linha de pensamento, poderemos ainda dizer que a Inglaterra é pragmática e o continente é dogmático.
Cada caso é um caso e a mesma bitola não serve de medida para tudo: one size doesn´t fit all.
3 Por exemplo, o Parlamento Britânico não tem
constituição. Quem conhece os trâmites de uma constituição sabe bem que há
certos aspectos da vida legislativa de um país que só podem ser mudados depois
de mudarem a constituição. Mudar uma
vírgula na Constituição é já por si um pandemónio e isso leva tempo, há
oposição e diabos a quatro. Também não
temos Cartão do Cidadão porque isso é considerado contra as liberdades individuais.
4 Quando o rei Henrique VIII se quis divorciar e
casar novamente decidiu tornar-se ele próprio o chefe temporal da Igreja ao criar a igreja Anglicana para escapar à dependência, subjugação e às decisões do Papa. Esta instituição Inglesa ainda se mantém até aos dias de hoje. Tem regras próprias tais como a liberdade de os padres da Igreja Anglicana,
masculinos ou femininos, poderem casar. Acabou
com o poder do Papa em Inglaterra. O chefe espiritual desta Igreja é o
Arcebispo de Canterbury (Cantuária para alguns portugueses). Os reis
taumaturgos também tinham poderes divinos. Colocavam as mãos em cima de doentes
e estes ficavam curados. Bem, estes nunca tinha estado doentes.
5 Passarei a enumerar alguns procedimentos em
Inglaterra que confirmam a flexibilidade e não uma fixação dogmática em regras
absolutas, rígidas e eternas como a lei da gravidade. Um dos exemplos mais
significativos está na pronunciação e escrita das palavras inglesas. O a pode pronunciar-se /á/ como em car, /â/ em consulate ou você
ainda pronuncia /konsuleit/, pronuncia-se mais ou menos /ê/ em mortgage, image e pronuncia-se /ei/ em
cake. As outras letras têm também sons muito diversos e é muito fácil fazer uma
gaffe fonética. Sabia que a libra não estava dividida em 100 pence antes da
entrada para EU em 1973? A data da decimalização da Pound teria sido em 1972. A libra valia 20 shillings e o shilling valia 12
pennies. Não me venha dizer 12 pennies agora embora isso fosse mesmo assim quando a libra estava dividida em 240 pennies! Presentemente, se
for mais de um penny já tem de dizer 2p /pi:/ ou two pence, three pence e por aí
adiante. Ou você também é daqueles que diz two womans, /uumâns/ em vez de dizer
two women (pronuncie /uimin/ plural de
mulher), three mans em vez de three men
(homens)? Quero dizer que há plurais irregulares. Não pense que basta
acrescentar um s a uma palavra e já tem um plural. Nem sempre funciona assim.
Cuidado com isto se não quiser passar por ignorante.
6 Muito estranho é também a utilização do nome road.
Você vai à procura de uma estrada e depois depara com uma simples ruinha. O
mesmo acontece com as avenidas. Pensa que vai encontrar a Avenue des
Champs-Elysées e aparece-lhe uma ruazita cheia de curvas e de volta atrás! Isto
está cheio de surpresas e nunca há certezas absolutas de nada! Oficialmente eles metrificaram as medidas,
mas ainda medem as pessoas em pés (feet) mais ou menos 30cm e às polegadas
(inch> 2,5 cm). E pesam-nos em pedras (stone> aproximadamente 6Kg. Lembre-se
também que o seu pé é um foot e quando se referir aos dois pés já tem de dizer
feet, exemplo, os meus pés> my feet e não my foots!
7 Também conduzem pelo lado esquerdo da via, porque
quando andavam de carroça defendiam-se dos assaltantes com o braço direito em
direção ao meio da estrada. Mas por vezes pode ver um veículo a rolar em
sentido contrário mesmo junto ao passeio. Ninguém buzina nem lançam insultos,
apenas tomam mais cuidado e seguem o seu destino, porque sabem que deve de
haver uma razão qualquer para o outro vir contra a mão. As regras são transgredidas
quando há qualquer imperativo.
8 A burocracia
também é reduzida ao mínimo, e a regra aqui é quanto menos Estado melhor. É a
lei do mercado, do negócio. Deixem as pessoas negociar e criar riqueza, porque depois pagam ou deveriam pagar mais tax. A
Inglaterra tem um historial de política de laissez-faire, de não intervenção do
Estado. Aqui parece que há liberdade a mais e depois isso conduz a abusos pela
sociedade civil, porque há pouca inspeção. No continente Europeu é o contrário,
há leis para tudo! Pense em Portugal nos obstáculos que lhe metem pela frente
quando quiser abrir uma simples mercearia. Se o fiscal quiser, você nunca abre
nada! Ou falta um centésimo de milímetro
na altura do tecto, ou uma tomada ficou ligeiramente de esguelha, ou há uma
esquina que não está bem de esquadria. Depois tem de ser visitado pelos
bombeiros para aprovarem a segurança, depois pela polícia, depois pelo fiscal
da Câmara e talvez também por algum inspetor de Bruxelas, porque você pediu um
subsídio. E você está ali a ferver porque tem o dinheiro empatado, ainda não
conseguiu vender nem ganhar nada porque ainda está fechado!
9 Em Inglaterra quando quiser abrir um comércio,
você abre quando quiser e depois vai lá aos serviços da câmara preencher com
impressozito com o nome do business, do dono, e o endereço. Meses depois, a câmara logo lá
manda alguém a ver se você ainda lá está. E não se vão esquecer de lhe mandar
as rates, os impostos de comércio. E você pode praticamente vender bicas em
todos os comércios. Mas eles aqui não brincam com a venda de bebidas
alcoólicas. Isto é um negócio muito rigoroso.
É preciso licenças para a casa e para o vendedor. E há muita proteção aos
menores, não se lhes pode vender estas
bebidas e compreende-se porquê.
10 E agora vou contar um caso para sublinhar mais
uma vez a flexibilidade dos ingleses e
que tudo o que está ou não está escrito pode ser contestado. Portanto não se fie muito em
assinaturas ou em não assinaturas, mas têm o peso que têm. Um vizinho meu
reformou-se e foi para a Madeira. Tinha um Mercedes novinho e vendeu-o por 1/3
do preço ao irmão com a condição de que ele o pudesse utilizar cada vez que
viesse a Londres, uma ou duas vezes por ano e ficaria mais ou menos uma semana.
Só que isto não ficou escrito. De facto, o contrato funcionou duas ou três
vezes. Seguidamente, o irmão deu o carro ao filho e disse ao irmão que já não ia
cumprir, e estava-se nas tintas para tudo, visto não haver contrato escrito. Pensou mal.
11 O velhote ficou triste e zangado com a história e
meteu o caso no tribunal. O outro negou sempre a existência de qualquer tipo de
contrato. Quando a Dra Juíza soube do preço de venda do veículo, ela ficou
surpreendida e desconfiada com a venda ao desbarato e começou a ouvir um, o outro e outras testemunhas. Ela pensou que havia algo de estranho naquele negócio. Esta gente são profissionais e não se deixam enganar facilmente.
12 As
audiências revelaram claramente que tinha havido um contrato embora não
escrito. Em conclusão, a Dra Juíza deu a
razão ao aposentado e obrigou o mau
irmão a pagar uma indemnização. No entanto, convém sempre haver algo de escrito,
porque são provas mais convincentes. Não se esqueça de exigir sempre as folhas de pagamento (pay slips) ao seu empregador ou outros documentos em outras situações.
13 Em
Roma faça como os Romanos. A Folhinha de
Stockwell pensa apenas alertar o
concidadão para este kaleidoscope societal, que é parte integrante da cultura aplicada no dia a dia nas mais variadas facetas da vida no Reino Unido.
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