Sunday, March 25, 2012

49. INGLATERRA PRAGMÁTICA ---- CONHEÇA O PENSAMENTO INGLÊS


A FOLHINHA  DE  STOCKWELL  49
LITTLE PORTUGAL  - LONDON  UK

A Inglaterra pragmática

1  A Inglaterra é de facto um país único e é necessário compreender o funcionamento do país a fim de saber como abordar e resolver os mais variados assuntos.

2 Poderíamos dizer, exagerando,  que a regra neste país é a ausência de regra. Isto torna o sistema mais flexível e adaptável às circunstâncias dos tempos e dos assuntos. Neste tipo de filosofia reside a incompreensão, desentendimentos  e atritos entre a Inglaterra e o Continente Europeu. Se entrarmos em mais profundidade nesta linha de pensamento, poderemos ainda dizer que a Inglaterra é pragmática e o continente é dogmático. Cada caso é um caso e a mesma bitola não serve de medida para  tudo: one size doesn´t fit all.

3 Por exemplo, o Parlamento Britânico não tem constituição. Quem conhece os trâmites de uma constituição sabe bem que há certos aspectos da vida legislativa de um país que só podem ser mudados depois de  mudarem a constituição. Mudar uma vírgula na Constituição é já por si um pandemónio e isso leva tempo, há oposição e diabos a quatro.  Também não temos Cartão do Cidadão porque isso é considerado contra as liberdades individuais.

4 Quando o rei Henrique VIII se quis divorciar e casar novamente decidiu tornar-se ele próprio o chefe  temporal da Igreja ao criar a igreja Anglicana para escapar à dependência, subjugação e às decisões do Papa. Esta instituição Inglesa ainda se mantém até aos dias de hoje. Tem regras próprias tais como a liberdade de os padres da Igreja Anglicana, masculinos ou femininos,  poderem casar. Acabou com o poder do Papa em Inglaterra. O chefe espiritual desta Igreja é o Arcebispo de Canterbury (Cantuária para alguns portugueses). Os reis taumaturgos também tinham poderes divinos. Colocavam as mãos em cima de doentes e estes ficavam curados. Bem, estes nunca tinha estado doentes.

5 Passarei a enumerar alguns procedimentos em Inglaterra que confirmam a flexibilidade e não uma fixação dogmática em regras absolutas, rígidas e eternas como a lei da gravidade. Um dos exemplos mais significativos está na pronunciação e escrita das palavras inglesas. O a pode pronunciar-se  /á/ como em car, /â/ em consulate ou você ainda pronuncia /konsuleit/, pronuncia-se mais ou menos  /ê/ em mortgage, image e pronuncia-se /ei/ em cake. As outras letras têm também sons muito diversos e é muito fácil fazer uma gaffe fonética. Sabia que a libra não estava dividida em 100 pence antes da entrada para EU em 1973? A data da decimalização da Pound teria sido em 1972. A libra valia 20 shillings e o shilling valia 12 pennies.  Não me venha dizer 12 pennies agora embora isso fosse mesmo  assim quando  a libra estava dividida em 240 pennies! Presentemente, se for mais de um penny já tem de dizer 2p /pi:/ ou two pence, three pence e por aí adiante. Ou você também é daqueles que diz two womans,  /uumâns/ em vez de dizer two women (pronuncie  /uimin/ plural de mulher),  three mans em vez de three men (homens)? Quero dizer que há plurais irregulares. Não pense que basta acrescentar um s a uma palavra e já tem um plural. Nem sempre funciona assim. Cuidado com isto se não quiser passar por ignorante.

6 Muito estranho é também a utilização do nome road. Você vai à procura de uma estrada e depois depara com uma simples ruinha. O mesmo acontece com as avenidas. Pensa que vai encontrar a Avenue des Champs-Elysées e aparece-lhe uma ruazita cheia de curvas e de volta atrás! Isto está cheio de surpresas e nunca há certezas absolutas de nada!  Oficialmente eles metrificaram as medidas, mas ainda medem as pessoas em pés (feet) mais ou menos 30cm e às polegadas (inch> 2,5 cm).  E pesam-nos  em pedras (stone> aproximadamente 6Kg. Lembre-se também que o seu pé é um foot e quando se referir aos dois pés já tem de dizer feet, exemplo, os meus pés> my feet e não my foots! 

7 Também conduzem pelo lado esquerdo da via, porque quando andavam de carroça defendiam-se dos assaltantes com o braço direito em direção ao meio da estrada. Mas por vezes pode ver um veículo a rolar em sentido contrário mesmo junto ao passeio. Ninguém buzina nem lançam insultos, apenas tomam mais cuidado e seguem o seu destino, porque sabem que deve de haver uma razão qualquer para o outro vir contra a mão. As regras são transgredidas  quando há qualquer imperativo.

 8 A burocracia também é reduzida ao mínimo, e a regra aqui é quanto menos Estado melhor. É a lei do mercado, do negócio. Deixem as pessoas negociar e criar riqueza, porque depois pagam ou deveriam pagar mais tax.  A Inglaterra tem um historial de política de laissez-faire, de não intervenção do Estado. Aqui parece que há liberdade a mais e depois isso conduz a abusos pela sociedade civil, porque há pouca inspeção. No continente Europeu é o contrário, há leis para tudo! Pense em Portugal nos obstáculos que lhe metem pela frente quando quiser abrir uma simples mercearia. Se o fiscal quiser, você nunca abre nada! Ou falta  um centésimo de milímetro na altura do tecto, ou uma tomada ficou ligeiramente de esguelha, ou há uma esquina que não está bem de esquadria. Depois tem de ser visitado pelos bombeiros para aprovarem a segurança, depois pela polícia, depois pelo fiscal da Câmara e talvez também por algum inspetor de Bruxelas, porque você  pediu um subsídio. E você está ali a ferver porque tem o dinheiro empatado,  ainda não conseguiu vender nem ganhar nada porque ainda está fechado! 

9 Em Inglaterra quando quiser abrir um comércio, você abre quando quiser e depois vai lá aos serviços da câmara preencher com impressozito com o nome do business, do dono,  e o endereço. Meses depois, a câmara logo lá manda alguém a ver se você ainda lá está. E não se vão esquecer de lhe mandar as rates, os impostos de comércio. E você pode praticamente vender bicas em todos os comércios. Mas eles aqui não brincam com a venda de bebidas alcoólicas. Isto é um negócio muito rigoroso.  É preciso licenças para a casa e para o vendedor. E há muita proteção aos  menores, não se lhes pode vender estas bebidas e compreende-se porquê. 

10 E agora vou contar um caso para sublinhar mais uma vez a flexibilidade dos  ingleses e que tudo o que está ou não está escrito pode  ser contestado. Portanto não se fie muito em assinaturas ou em não assinaturas, mas têm o peso que têm. Um vizinho meu reformou-se e foi para a Madeira. Tinha um Mercedes novinho e vendeu-o por 1/3 do preço ao irmão com a condição de que ele o pudesse utilizar cada vez que viesse a Londres, uma ou duas vezes por ano e ficaria mais ou menos uma semana. Só que isto não ficou escrito. De facto, o contrato funcionou duas ou três vezes. Seguidamente, o irmão deu o carro ao filho e disse ao irmão que já não ia cumprir, e estava-se nas tintas para tudo, visto não haver contrato escrito.  Pensou mal.

11 O velhote ficou triste e zangado com a história e meteu o caso no tribunal. O outro negou sempre a existência de qualquer tipo de contrato. Quando a Dra Juíza soube do preço de venda do veículo, ela ficou surpreendida e desconfiada com a venda ao desbarato e começou a ouvir um,  o outro e outras testemunhas. Ela pensou que havia  algo de estranho naquele negócio. Esta gente são profissionais e não se deixam enganar facilmente.

 12 As audiências revelaram claramente que tinha havido um contrato embora não escrito.  Em conclusão, a Dra Juíza deu a razão ao aposentado  e obrigou o mau irmão a pagar uma indemnização. No entanto, convém sempre haver algo de escrito, porque são provas mais convincentes. Não se esqueça de exigir sempre as folhas de pagamento (pay slips) ao seu empregador ou outros documentos em outras situações.

13 Em Roma faça como os Romanos.  A Folhinha de Stockwell  pensa apenas alertar o concidadão para este kaleidoscope societal,  que é parte integrante da cultura aplicada no dia a dia nas mais variadas facetas da vida no Reino Unido.   
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